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27 de ago. de 2012

DIREITOS HUMANOS: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS


 Equipe Novamerica[1]

Não é fácil apresentar um conceito de direitos humanos. O tema é muito abrangente e muitas vezes utilizado de maneira equivocada e pejorativa. Muito se fala em direitos humanos, principalmente diante de fatos marcantes de violência urbana ou quando se clama por mais segurança pública. Parece, inclusive, que os defensores dos direitos humanos são inimigos da segurança pública, do rigor das leis e dos cidadãos comuns. Total engano! Engano bastante comum, provocado e incentivado por alarmistas de plantão que querem reduzir a luta pelos direitos humanos à defesa de benefícios e abrandamentos legais no código penal. A luta dos direitos humanos envolve, sem dúvida nenhuma, a luta por melhores condições para presos e menores infratores. Mas, não é só isso, como querem fazer crer alguns setores da mídia policial. Quando falamos de direitos humanos estamos falando de todos os direitos que visam garantir a dignidade humana: alimentação, educação, saúde, transporte, moradia, cultura etc. Sendo assim, não nos enganemos. Direitos humanos interessam a todos nós!    Para ajudar a compreensão desta temática, a Equipe da Novamerica vem trabalhando com seis princípios fundamentais[2] que visam dar uma visão mais ampla e mais arejada sobre a temática. A seguir, serão apresentados e discutidos brevemente cada princípio.

Princípio 1: A luta pelos direitos humanos se dá no cotidiano.
A luta pelos direitos humanos se dá no nosso dia a dia e afeta profundamente a vida de cada um de nós e de cada grupo social. Não são as idéias que fazem com que os direitos se tornem realidade. Se as idéias não forem traduzidas, na prática, em atitudes e comportamentos que modifique nossa maneira de pensar, de sentir e de agir, os direitos humanos serão apenas uma bela temática sem efeitos na realidade. É muito comum se afirmar juridicamente que todo mundo é igual e tem direitos garantidos. Mas, para que realmente a lei se cumpra, é fundamental a conquista de espaços concretos nos quais os princípios dos direitos humanos tornem-se parte da realidade de todas as pessoas. O cotidiano – como espaço onde se constrói a trama da vida pessoal e coletiva – torna-se muito importante na luta pelos direitos humanos, pois é na vida cotidiana que verdadeiramente aprendemos a perceber e a conquistar nossos direitos, bem como cumprir os deveres da vida em sociedade. Neste sentido, desenvolver uma prática social solidária e participativa no dia a dia da sociedade brasileira se converte hoje numa exigência ética para a construção de uma sociedade onde os direitos humanos sejam uma realidade para todos e não apenas um discurso sem maiores conseqüências.

Princípio 2: Os direitos humanos são conquistas históricas.
Ao longo da história, os direitos humanos nunca foram respeitados e implementados apenas porque tinham sido afirmados por uma declaração ou lei. Os direitos são sempre o resultado de vários processos de luta. Os direitos são conquistas que aconteceram e continuam acontecendo em nossas sociedades mediante a mobilização de grupos que reivindicam uma situação de justiça. O processo de conquista dos direitos humanos está relacionado com as lutas de libertação dos grupos sociais que vivenciam na pele a violação de seus direitos. Assim, é possível afirmar que a maioria das declarações surge como resultado das lutas, travadas por alguns segmentos da sociedade ou por grupos mais amplos, contra as violações à dignidade humana. Fazendo uma leitura da história dos direitos humanos e de suas conquistas jurídicas, constata-se que em geral cada declaração incorpora as conquistas anteriores e dá um novo passo para frente. Mas o fato de que a afirmação dos direitos humanos seja uma conquista histórica e progressiva não significa que a sua realização não seja desigualmente concretizada na vida dos diferentes grupos sociais e continuamente ameaçada por diferentes fatores. Existem avanços e retrocessos nessa tensão permanente entre o juridicamente conquistado e a vivência real dos direitos humanos. Neste sentido, os direitos humanos funcionam como um horizonte da convivência humana, uma meta na qual os sujeitos não se colocam apenas individualmente, mas como povo organizado. Propor os direitos humanos como horizonte significa algo que deva ser continuamente construído, conquistado, e não apenas proclamado em leis e declarações. Isso implica que os direitos humanos devem passar por uma luta constante para que efetivamente se transformem em conquistas cada vez mais amplas. Assim, na construção histórica dos direitos humanos – que é dinâmica e se realiza no cotidiano – devemos diminuir ao máximo a contradição entre o horizonte (a utopia que queremos construir) e a prática histórica concreta (a realidade que vivenciamos).

Princípio 3: Os direitos humanos são percebidos de acordo com o contexto social.
Para a maioria dos latino-americanos, vida digna supõe lutar pela satisfação de necessidades básicas. Uma minoria tem estas necessidades abundantemente satisfeitas e se movem em níveis crescentes de consumismo e individualismo. Mas, também, há outros que assumem que a luta pela conquista de uma vida digna para todos e todas supõe partilha e solidariedade. Falar de lugar social na América Latina e, de modo particular no Brasil, supõe reconhecer mundos e situações de vida extremamente diferentes e desiguais. Sem dúvida, a desigualdade é de uma situação especialmente crítica que afeta o continente como um todo, mas de modo escandaloso o Brasil. No que se relaciona à desigualdade, a situação do Brasil é crítica. Com mais de 185 milhões de habitantes e uma das distribuições de renda mais desiguais do mundo, o país vive um processo de deterioração progressiva das condições de vida da maioria da população. De acordo com o local social que se ocupa neste sistema desigual, a percepção sobre as necessidades, os direitos e os problemas que nos afligem muda significativamente. É importante ter clareza de que a nossa visão da realidade está condicionada pelo lugar social e desde este lugar social somos convocados a promover uma análise crítica da realidade e a estabelecer o compromisso com a transformação social. Neste sentido, é especialmente importante também que possamos entender o ponto de vista de outros grupos, suas necessidades, suas percepções de direitos, suas representações dos problemas que lhes afligem.

Princípio 4: Direitos humanos: uns são “sujeitos” e outros são “parceiros”.
A luta pelos direitos humanos passa por questões concretas, como raça, classe social, gênero, religião, orientação sexual e cultura. Alguns são sujeitos diretos das lutas pois sentem em suas vidas as conseqüências do desrespeito a seus direitos. A outros cabe solidarizar-se nesta luta, o que os tornam parceiros. Por exemplo, as mulheres são os sujeitos diretos da luta por superar as desigualdades e a discriminação que elas sofrem na sociedade. Mas a superação do machismo, assim como a construção de uma sociedade onde a igualdade entre os sexos seja cada vez mais efetiva afeta a todos, homens e mulheres. Os homens podem ser parceiros das mulheres na luta contra todas as formas de discriminação à mulher. Poderíamos citar outros exemplos, como a discriminação racial e/ou social, o desrespeito a pessoas com diferentes orientações sexuais ou diferentes necessidades físicas, mentais ou sociais. As pessoas e grupos sociais que vivenciam em seu dia a dia as desigualdades e discriminações são os sujeitos diretos dessas lutas. Mas não lutam sozinhas. Parceiro é aquele ou aquela que luta por algum direito que é negado a outros e se faz solidário desta causa, consciente de que só assim se pode construir uma sociedade em que todos tenham de fato direito a uma vida digna. Em nossa sociedade, marcada tão fortemente por desigualdades e discriminações, a maioria dos brasileiros/as está à margem da proteção e do respeito dos direitos garantidos pelas leis. Nosso compromisso como cidadãos e cidadãs, em nossa vida cotidiana, deve ser, portanto, a promoção e a defesa dos direitos de igualdade, de liberdade, de participação, de solidariedade e de condições dignas de vida para todos e todas, independente de classe, gênero, etnia, orientação sexual, origem, religião ou geração.

Princípio 5: Os direitos humanos afetam profundamente toda nossa vida.
A nossa postura frente aos direitos humanos afeta profundamente toda a nossa vida, a nossa relação conosco mesmo, com os demais, com a natureza e com o transcendente. O engajamento na luta pelos direitos humanos supõe o reconhecimento da inter-relação entre as diferentes dimensões da vida e os direitos humanos, ou seja, mais que um discurso, os direitos humanos é uma prática que marca a vida como um todo. Isso nos exige passar de uma visão individualista e autoritária para uma visão mais social e democrática. Será muito diferente a postura religiosa, pessoal, inter-pessoal ou com a natureza em uma pessoa realmente sensível pela temática dos direitos humanos ou não. Uma visão crítica da realidade, pela ótica dos direitos humanos, levará o militante ou simpatizante desta temática a ter uma visão mais crítica e vigilante das suas relações. Seria coerente defender os direitos humanos e manter posturas profundamente autoritárias nas relações familiares ou profissionais? Seria coerente defender os direitos humanos e cultuar uma divindade que justifica a desigualdade social? Ou os direitos humanos nos transformam integralmente ou será mais uma vez bela oratória sem sentido. É nesta mesma perspectiva que a Conferência Mundial dos Direitos Humanos (Viena, 1993) afirmou que os direitos humanos são universais, indivisíveis e relacionados entre si. Desta forma a comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de modo global e justo, em pé de igualdade e dando a todos os direitos a mesma equivalência, sem deixar de levar em consideração a importância das particularidades nacionais e regionais assim como as dimensões cultural e religiosa. Os direitos humanos também são indivisíveis. Isso significa que quando um dos direitos humanos não é respeitado, a vida é afetada em seu conjunto. Daí a exigência de uma contínua atenção à inter-relação entre todos os direitos e suas diferentes dimensões.

Princípio 6: América Latina: relação entre direitos humanos e direitos dos pobres.
 Na América Latina, é uma urgência que os diretos humanos sejam realidade para os mais pobres. Fazendo-nos solidários aos mais pobres estaremos apoiando os esforços para que os direitos sejam efetivados para todos e todas. Nossa postura precisa estar comprometida com todos aqueles e aquelas que são vítimas da violação de seus direitos. Na história latino-americana e principalmente na história brasileira, as vítimas são principalmente as maiorias populares. De acordo com a Conferência Mundial dos Direitos Humanos (Viena, 1993), a pobreza extrema e a exclusão social constituem um atentado contra a dignidade humana e é urgente que tomemos medidas para compreender melhor a pobreza e suas causas, inclusive as questões relacionadas ao desenvolvimento econômico, para promover os direitos humanos dos mais pobres, acabar com a pobreza extrema, a exclusão social e favorecer o aceso aos frutos do progresso social. A utopia da nova sociedade implica unir esforços, favorecer a organização da sociedade civil e apoiar as lutas dos setores populares. Não basta escrever na lei que todos têm direito à vida, que nascem iguais e são livres. É necessário que as condições para o exercício desses diretos sejam garantidas, pois não tem sentido anunciarmos para o mundo o direito à vida, enquanto milhares morrem de fome e de doenças já controladas, enfim, morem de miséria. Em síntese, a desigualdade e a exclusão social são os maiores empecilhos para a efetivação dos direitos humanos em nosso continente.



[1] Versão revista e adaptada por Marcelo Andrade.
[2] CANDAU, V., SACAVINO, S. e outros. Oficinas Pedagógicas de Direitos Humanos, Petrópolis: Vozes, 1995.

1 comentários:

Olhos disse...

Estou adorando o curso, os esclarecimentos me mostram como eu não entendia de Direitos Humanos e Cidadania, por mais que tenha dito nas aulas que algumas coisas pratico no meu cotidiano.

Como eu disse ao palestrante, não sei se foi o Marcelo, me tornei uma "chata" para alguns .