Equipe Novamerica[1]
Não é fácil apresentar um
conceito de direitos humanos. O tema é muito abrangente e muitas vezes
utilizado de maneira equivocada e pejorativa. Muito se fala em direitos
humanos, principalmente diante de fatos marcantes de violência urbana ou quando
se clama por mais segurança pública. Parece, inclusive, que os defensores dos
direitos humanos são inimigos da segurança pública, do rigor das leis e dos
cidadãos comuns. Total engano! Engano bastante comum, provocado e incentivado
por alarmistas de plantão que querem reduzir a luta pelos direitos humanos à
defesa de benefícios e abrandamentos legais no código penal. A luta dos
direitos humanos envolve, sem dúvida nenhuma, a luta por melhores condições
para presos e menores infratores. Mas, não é só isso, como querem fazer crer
alguns setores da mídia policial. Quando falamos de direitos humanos estamos
falando de todos os direitos que visam garantir a dignidade humana:
alimentação, educação, saúde, transporte, moradia, cultura etc. Sendo assim,
não nos enganemos. Direitos humanos interessam a todos nós! Para ajudar a compreensão desta temática, a
Equipe da Novamerica vem trabalhando com seis princípios fundamentais[2]
que visam dar uma visão mais ampla e mais arejada sobre a temática. A seguir,
serão apresentados e discutidos brevemente cada princípio.
Princípio
1: A luta pelos direitos humanos se dá no cotidiano.
A
luta pelos direitos humanos se dá no nosso dia a dia e afeta profundamente a
vida de cada um de nós e de cada grupo social. Não são as idéias que fazem com
que os direitos se tornem realidade. Se as idéias não forem traduzidas, na
prática, em atitudes e comportamentos que modifique nossa maneira de pensar, de
sentir e de agir, os direitos humanos serão apenas uma bela temática sem
efeitos na realidade. É muito comum se afirmar juridicamente que todo mundo é
igual e tem direitos garantidos. Mas, para que realmente a lei se cumpra, é
fundamental a conquista de espaços concretos nos quais os princípios dos
direitos humanos tornem-se parte da realidade de todas as pessoas. O cotidiano
– como espaço onde se constrói a trama da vida pessoal e coletiva – torna-se
muito importante na luta pelos direitos humanos, pois é na vida cotidiana que
verdadeiramente aprendemos a perceber e a conquistar nossos direitos, bem como
cumprir os deveres da vida em sociedade. Neste sentido, desenvolver uma prática
social solidária e participativa no dia a dia da sociedade brasileira se
converte hoje numa exigência ética para a construção de uma sociedade onde os
direitos humanos sejam uma realidade para todos e não apenas um discurso sem
maiores conseqüências.
Princípio
2: Os direitos humanos são conquistas históricas.
Ao
longo da história, os direitos humanos nunca foram respeitados e implementados
apenas porque tinham sido afirmados por uma declaração ou lei. Os direitos são
sempre o resultado de vários processos de luta. Os direitos são conquistas que
aconteceram e continuam acontecendo em nossas sociedades mediante a mobilização
de grupos que reivindicam uma situação de justiça. O processo de conquista dos
direitos humanos está relacionado com as lutas de libertação dos grupos sociais
que vivenciam na pele a violação de seus direitos. Assim, é possível afirmar
que a maioria das declarações surge como resultado das lutas, travadas por
alguns segmentos da sociedade ou por grupos mais amplos, contra as violações à
dignidade humana. Fazendo uma leitura da história dos direitos humanos e de
suas conquistas jurídicas, constata-se que em geral cada declaração incorpora
as conquistas anteriores e dá um novo passo para frente. Mas o fato de que a
afirmação dos direitos humanos seja uma conquista histórica e progressiva não
significa que a sua realização não seja desigualmente concretizada na vida dos
diferentes grupos sociais e continuamente ameaçada por diferentes fatores.
Existem avanços e retrocessos nessa tensão permanente entre o juridicamente
conquistado e a vivência real dos direitos humanos. Neste sentido, os direitos
humanos funcionam como um horizonte da convivência humana, uma meta na qual os
sujeitos não se colocam apenas individualmente, mas como povo organizado.
Propor os direitos humanos como horizonte significa algo que deva ser
continuamente construído, conquistado, e não apenas proclamado em leis e
declarações. Isso implica que os direitos humanos devem passar por uma luta
constante para que efetivamente se transformem em conquistas cada vez mais
amplas. Assim, na construção histórica dos direitos humanos – que é dinâmica e
se realiza no cotidiano – devemos diminuir ao máximo a contradição entre o
horizonte (a utopia que queremos construir) e a prática histórica concreta (a
realidade que vivenciamos).
Princípio
3: Os direitos humanos são percebidos de acordo com o contexto social.
Para a maioria dos latino-americanos, vida digna
supõe lutar pela satisfação de necessidades básicas. Uma minoria tem estas necessidades
abundantemente satisfeitas e se movem em níveis crescentes de consumismo e
individualismo. Mas, também, há outros que assumem que a luta pela conquista de
uma vida digna para todos e todas supõe partilha e solidariedade. Falar de
lugar social na América Latina e, de modo particular no Brasil, supõe
reconhecer mundos e situações de vida extremamente diferentes e desiguais. Sem
dúvida, a desigualdade é de uma situação especialmente crítica que afeta o
continente como um todo, mas de modo escandaloso o Brasil. No que se relaciona
à desigualdade, a situação do Brasil é crítica. Com mais de 185 milhões de
habitantes e uma das distribuições de renda mais desiguais do mundo, o país
vive um processo de deterioração progressiva das condições de vida da maioria
da população. De acordo com o local social que se ocupa neste sistema desigual,
a percepção sobre as necessidades, os direitos e os problemas que nos afligem
muda significativamente. É importante ter clareza de que a nossa visão da
realidade está condicionada pelo lugar social e desde este lugar social somos
convocados a promover uma análise crítica da realidade e a estabelecer o
compromisso com a transformação social. Neste sentido, é especialmente
importante também que possamos entender o ponto de vista de outros grupos, suas
necessidades, suas percepções de direitos, suas representações dos problemas
que lhes afligem.
Princípio
4: Direitos humanos: uns são “sujeitos” e outros são “parceiros”.
A
luta pelos direitos humanos passa por questões concretas, como raça, classe
social, gênero, religião, orientação sexual e cultura. Alguns são sujeitos
diretos das lutas pois sentem em suas vidas as conseqüências do desrespeito a
seus direitos. A outros cabe solidarizar-se nesta luta, o que os tornam parceiros.
Por exemplo, as mulheres são os sujeitos diretos da luta por superar as
desigualdades e a discriminação que elas sofrem na sociedade. Mas a superação
do machismo, assim como a construção de uma sociedade onde a igualdade entre os
sexos seja cada vez mais efetiva afeta a todos, homens e mulheres. Os homens
podem ser parceiros das mulheres na luta contra todas as formas de
discriminação à mulher. Poderíamos citar outros exemplos, como a discriminação
racial e/ou social, o desrespeito a pessoas com diferentes orientações sexuais
ou diferentes necessidades físicas, mentais ou sociais. As pessoas e grupos
sociais que vivenciam em seu dia a dia as desigualdades e discriminações são os
sujeitos diretos dessas lutas. Mas não lutam sozinhas. Parceiro é aquele ou aquela
que luta por algum direito que é negado a outros e se faz solidário desta
causa, consciente de que só assim se pode construir uma sociedade em que todos
tenham de fato direito a uma vida digna. Em nossa sociedade, marcada tão
fortemente por desigualdades e discriminações, a maioria dos brasileiros/as
está à margem da proteção e do respeito dos direitos garantidos pelas leis.
Nosso compromisso como cidadãos e cidadãs, em nossa vida cotidiana, deve ser,
portanto, a promoção e a defesa dos direitos de igualdade, de liberdade, de
participação, de solidariedade e de condições dignas de vida para todos e
todas, independente de classe, gênero, etnia, orientação sexual, origem,
religião ou geração.
Princípio 5: Os direitos humanos afetam profundamente toda nossa vida.
A
nossa postura frente aos direitos humanos afeta profundamente toda a nossa
vida, a nossa relação conosco mesmo, com os demais, com a natureza e com o
transcendente. O engajamento na luta pelos direitos humanos supõe o
reconhecimento da inter-relação entre as diferentes dimensões da vida e os
direitos humanos, ou seja, mais que um discurso, os direitos humanos é uma
prática que marca a vida como um todo. Isso nos exige passar de uma visão
individualista e autoritária para uma visão mais social e democrática. Será
muito diferente a postura religiosa, pessoal, inter-pessoal ou com a natureza
em uma pessoa realmente sensível pela temática dos direitos humanos ou não. Uma
visão crítica da realidade, pela ótica dos direitos humanos, levará o militante
ou simpatizante desta temática a ter uma visão mais crítica e vigilante das
suas relações. Seria coerente defender os direitos humanos e manter posturas
profundamente autoritárias nas relações familiares ou profissionais? Seria
coerente defender os direitos humanos e cultuar uma divindade que justifica a
desigualdade social? Ou os direitos humanos nos transformam integralmente ou
será mais uma vez bela oratória sem sentido. É nesta mesma perspectiva que a
Conferência Mundial dos Direitos Humanos (Viena, 1993) afirmou que os direitos
humanos são universais, indivisíveis e relacionados entre si. Desta forma a
comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de modo global e
justo, em pé de igualdade e dando a todos os direitos a mesma equivalência, sem
deixar de levar em consideração a importância das particularidades nacionais e
regionais assim como as dimensões cultural e religiosa. Os direitos humanos
também são indivisíveis. Isso significa que quando um dos direitos humanos não
é respeitado, a vida é afetada em seu conjunto. Daí a exigência de uma contínua
atenção à inter-relação entre todos os direitos e suas diferentes dimensões.
Princípio
6: América Latina: relação entre direitos
humanos e direitos dos
pobres.
Na América Latina, é uma urgência que os
diretos humanos sejam realidade para os mais pobres. Fazendo-nos solidários aos
mais pobres estaremos apoiando os esforços para que os direitos sejam
efetivados para todos e todas. Nossa postura precisa estar comprometida com
todos aqueles e aquelas que são vítimas da violação de seus direitos. Na
história latino-americana e principalmente na história brasileira, as vítimas
são principalmente as maiorias populares. De acordo com a Conferência Mundial
dos Direitos Humanos (Viena, 1993), a pobreza extrema e a exclusão social
constituem um atentado contra a dignidade humana e é urgente que tomemos
medidas para compreender melhor a pobreza e suas causas, inclusive as questões
relacionadas ao desenvolvimento econômico, para promover os direitos humanos
dos mais pobres, acabar com a pobreza extrema, a exclusão social e favorecer o
aceso aos frutos do progresso social. A utopia da nova sociedade implica unir
esforços, favorecer a organização da sociedade civil e apoiar as lutas dos
setores populares. Não basta escrever na lei que todos têm direito à vida, que
nascem iguais e são livres. É necessário que as condições para o exercício
desses diretos sejam garantidas, pois não tem sentido anunciarmos para o mundo
o direito à vida, enquanto milhares morrem de fome e de doenças já controladas,
enfim, morem de miséria. Em síntese, a desigualdade e a exclusão social são os
maiores empecilhos para a efetivação dos direitos humanos em nosso continente.
1 comentários:
Estou adorando o curso, os esclarecimentos me mostram como eu não entendia de Direitos Humanos e Cidadania, por mais que tenha dito nas aulas que algumas coisas pratico no meu cotidiano.
Como eu disse ao palestrante, não sei se foi o Marcelo, me tornei uma "chata" para alguns .
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