Maria Tereza Eglér Mantoan[1]
Para instaurar uma condição
de igualdade nas escolas não se concebe que todos os alunos sejam iguais em
tudo, como é o caso do modelo escolar mais reconhecido ainda hoje. Temos de
considerar as suas desigualdades naturais e sociais e só estas últimas
podem/devem ser eliminadas. Nossas políticas educacionais confirmam em muitos
momentos o projeto igualitarista e universalista da modernidade. Elas reforçam
esse projeto que se empenha em superar o que se chamou de estado da natureza,
visando domesticar os que diferem do padrão.
O discurso da modernidade,
movimento que se caracteriza por um esforço racional de ordenar o mundo, os
seres humanos, a vida. Esse discurso fundamenta a organização pedagógica de
nossas escolas e, por seus parâmetros, o aluno diferente, por sua incoerência,
indefinição, indeterminação desestabiliza essa organização, na sua ânsia de
negação de tudo o que possa fugir de suas certezas.
A diferença propõe o
conflito, o dissenso e a imprevisibilidade, a impossibilidade do cálculo, da
definição, a multiplicidade incontrolável e infinita. Essas situações não se
enquadram na cultura da igualdade das escolas, introduzindo nelas um elemento
complicador que se torna insuportável. De fato, a diferença é difícil de ser
recusada, desvalorizada. Se negada, há que assimilá-la ao igualitarismo
essencialista e, se aceita e valorizada, há que se mudar de lado e romper com
os pilares nos quais a escola tem se firmado até então.
A igualdade abstrata não
propicia a garantia de relações justas nas escolas e não consegue resolver o
problema das diferenças nas escolas, porque escapam ao que é proposto, quando
se confrontam com as desigualdades naturais e sociais dos alunos.
Ser gente é correr, sempre, o
risco de ser diferente. E se a igualdade traz problemas, as diferenças podem
trazer muito mais!
Em sua obra Teoria da
Justiça, Rawls (2002, p. 108) opõe-se às declarações de direito do mundo
moderno, que igualaram os homens em seu instante de nascimento e estabeleceram
o mérito e o esforço de cada um como medida de acesso e uso de bens, recursos disponíveis
e mobilidade social. Para o filósofo, a liberdade civil com suas desigualdades
sociais e a igualdade de oportunidades com suas desigualdades naturais são arbitrárias
do ponto de vista moral. Ele propõe, então, uma política da diferença, estabelecendo
a identificação das diferenças como uma nova medida da igualdade.
“Assim, somos levados ao
princípio da diferença, se desejamos montar o sistema social de modo que
ninguém ganhe ou perca devido ao seu lugar arbitrário na distribuição de dotes
naturais ou à sua posição inicial na sociedade sem dar ou receber benefícios
compensatórios em troca”. (RAWLS, 2002, p. 108)
Rawls defende que a
distribuição natural de talentos ou a posição social que cada indivíduo ocupa
não são justas, nem injustas. O que as torna justas ou não são as maneiras
pelas quais as instituições (no caso, as educacionais) fazem uso delas. Sugere,
então, uma igualdade democrática, que combina o princípio da igualdade de
oportunidades com o princípio da diferença. Sua posição tem como opositores os que
defendem a noção de mérito.
Para os que lutam por uma
escola que valorize as diferenças, na linha argumentativa desse autor, o
merecimento não parece aplicar-se devidamente aos que já nascem em uma situação
privilegiada socialmente ou aos que já tiveram a oportunidade de se desenvolver
a partir das melhores condições de vida e de aproveitamento de suas
potencialidades. Assim, o mérito deve ser proporcional ao ponto de partida de
cada um.
Combinando os princípios de
igualdade e de diferença, o autor reconhece que as desigualdades naturais e
sociais são imerecidas e precisam ser reparadas e compensadas. Nesta lógica, o
princípio da diferença é o que garante essa reparação, visando a igualdade.
Sem assegurar permanência e
prosseguimento da escolaridade, em todos os níveis, a igualdade torna-se
perversa, pois faz recair sobre as pessoas diferentes a incapacidade de tirar
proveito dessa oportunidade. Assim, é necessário romper com o modelo
educacional elitista de nossas escolas. Teríamos de reconhecer a igualdade de
aprender como ponto de partida e as diferenças no aprendizado como processo e
ponto de chegada.
[1] Adaptado do texto disponível em: http://coralx.ufsm.br/revce/revce/2007/02/a3.htm < Acessado em 24/09/2012>
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