Marcelo Andrade[1]
Os direitos humanos não são
estáticos. Ao longo da história, eles foram se desenvolvendo e se modificando.
Neste sentido, podemos localizar alguns importantes fatos históricos e algumas
teorias que oferecem possibilidades de entendimento de como nasceu e de como se
desenvolveu a percepção dos direitos humanos ao longo da história da
humanidade.
Origens dos
direitos humanos: códigos morais e convivência social.
Até o século XVII não havia
ainda sido formulada nenhuma expressão que se aproximasse da idéia que hoje
temos sobre direitos humanos. No entanto, isso não significa que não houvesse
nenhuma orientação de defesa de direitos e cumprimento de deveres. Podemos
dizer que a humanidade acumulou ao longo da história uma série de códigos
morais que estão na origem dos direitos humanos, tais como: o Código de
Hammurabi (séc. XIX a.C); o profetismo judaico (XI a.C); a filosofia grega (VI
a.C); o direito romano clássico (séc. I a.C) e o cristianismo primitivo (séc. d.C),
entre outros. Assim, diferentes expressões religiosas e distintas experiências
de organização social deram à humanidade um impulso inicial para a concepção
dos direitos humanos tal qual os conhecemos hoje. Podemos dizer, inclusive, que
as origens dos direitos humanos têm em comum o conceito de justiça e a regulamentação
da convivência humana, seja a partir de uma fé religiosa ou a partir da
convenção social sobre como se deve conviver.
Primeira Geração – Direitos de Liberdade.
A chamada Primeira Geração dos Direitos Humanos
tem como contexto os séculos XVII e XVIII. Aqui devemos estar atentos a dois aspectos:
um mais teórico (nível das idéias) e outro mais histórico (nível dos
acontecimentos).
O primeiro aspecto trata-se da
teoria dos direitos naturais, também
chamada jus naturalismo, formulada
pelos pensadores da época moderna, com destaque para dois filósofos ingleses:
Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704). Segundo os teóricos do jus
naturalismo, os seres humanos possuem direitos – única e exclusivamente – por
sua condição natural de seres humanos dotados de razão e consciência. Sendo
assim, o direito não era dado por um dogma de fé e nem pela benevolência de um rei.
O direito era visto como algo inerente a todo ser humano pela simples condição
de humano, independente de sua crença religiosa ou do pertencimento a algum Reino,
Cidade-Estado ou Império.
O segundo aspecto é um fato
histórico concreto: a Revolução Francesa (1789). A Revolução caracterizou-se como
um confronto direto e definitivo contra o sistema absolutista, no qual o regime
monárquico possuía um poder centralizador e autoritário sobre os súditos. Ao
monarca e sua corte todos os direitos, benefícios e privilégios. Aos súditos
nada, ou melhor, o dever de trabalhar e manter a monarquia. Neste sentido, os
principais valores defendidos pela Revolução foram a liberdade e a igualdade,
mas sobretudo a liberdade: de ir e vir, de pensamento e expressão, de culto
religioso, de associação, de comércio etc. A Revolução foi liderada e apoiada
por aqueles e aquelas que queriam um sistema mais livre e igualitário que o
absolutismo, ou seja, sem as amarras da relação monarca – súditos.
Podemos concluir, então, que
a Primeira Geração dos Direitos Humanos
centra força na idéia de LIBERDADE. Esta
geração visa proteger os indivíduos dos abusos de regimes absolutistas ou
autoritários, garantindo espaços mais democráticos de tomadas de decisão. Por sua
ênfase na proteção dos indivíduos são chamados de DIREITOS INDIVIDUAIS.
Segunda Geração – Direitos de Igualdade.
A Segunda Geração dos Direitos Humanos tem como contexto os séculos
XIX e XX. Aqui também devemos estar atentos aos aspectos teóricos e aos aspectos
históricos.
O aspecto teórico é o avanço
do pensamento socialista. Podemos dizer que este pensamento tem como ideal máximo
a construção de uma sociedade igualitária. Os primeiros pensadores socialistas foram
chamados de socialistas utópicos justamente porque suas propostas eram vistas
como muito bonitas, mas pouco prováveis de serem efetivadas numa sociedade
normal e concreta. Podemos destacar aqui dois pensadores utópicos franceses: Saint-Simon (1760-1825) e Charles
Fourier (1772-1837). Foi com o pensador e
economista alemão Karl Marx (1818-1883) que o socialismo ganhou propostas mais
viáveis. É neste sentido que Marx está identificado com o socialismo histórico,
a ponto de muitas vezes marxismo e socialismo serem entendidos como sinônimos.
O ponto determinante do socialismo é a defesa da abolição da propriedade
privada nos meios de produção (terras e empresas) e o estabelecimento de um
Estado que gerencie a propriedade coletiva e distribua igualitariamente os
serviços (educação, saúde, segurança etc) e produtos (alimentos, habitação,
bens de consumo etc) gerados pelos meios de produção.
O aspecto mais histórico refere-se
às primeiras Revoluções Socialistas: a Mexicana e a Russa, ambas em 1917. Tais
revoluções foram diretamente inspiradas pelo pensamento de Marx e aboliram por
um determinado tempo histórico a propriedade privada e a maneira capitalista de
organizar os meios de produção. As experiências históricas do socialismo
enfrentam uma grande crise desde a queda do muro de Berlim (Alemanha) em 1989.
No entanto, o socialismo histórico ainda sobrevive em Cuba e de maneira já bem
modificada na China e outros países asiáticos.
Podemos concluir que a Segunda Geração dos Direitos Humanos centra
força na idéia de IGUALDADE. Esta
geração visa garantir uma maior igualdade de oportunidade na sociedade,
garantindo bens e serviços básicos a todos, tais como: saúde, educação,
moradia, alimentação etc. Por isso mesmo esta geração de direitos é chamada de DIREITOS SOCIAIS.
Terceira Geração – Direitos de Auto-determinação.
A Terceira Geração dos Direitos Humanos
tem como contexto histórico a segunda metade do século XX, mas
especificadamente a década de 1960.
Com o final da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945), o mundo se viu dividido em dois grandes blocos políticos e
econômicos. Por um lado, o bloco socialista liderado pela extinta União
Soviética e por outro o bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos. A
disputa por áreas de influências entre os dois blocos foi identificada como Guerra
Fria justamente por não ser uma “guerra quente”, que seria a guerra direta com
armas e soldados. A Guerra Fria foi um conflito de influências que se dava de
maneira não explícita pelas nações envolvidas.
Além da Guerra Fria entre o
bloco socialista e o bloco capitalista, surgia na Ásia e na África o chamado
grupo dos não-alinhados, isto é, aqueles países que não estavam sobre
influência de nenhum bloco. A organização dos não alinhados culminou também com
o processo de descolonização de alguns países asiáticos e africanos que ainda
estavam sobre o controle de antigos colonizadores europeus, tal como Moçambique
que era colônia de Portugal e Argélia era colônia da França.
Todo este contexto de
conflito de interesses e de busca de autonomia de alguns países pobres colocou
na pauta de discussão uma nova categoria de direitos, os chamados DIREITOS DOS POVOS, que consistem na
reivindicação de direitos coletivos que envolvem nações inteiras, tais como:
direito à paz, ao desenvolvimento, à escolha de seus governantes e também o
direito ao patrimônio comum da humanidade. De certa forma, os direitos dos
povos estão reivindicados a partir da idéia de AUTO-DETERMINAÇÃO que todo povo ou nação tem ou deveria ter. Assim,
surge a Terceira Geração dos Direitos
Humanos.
Quarta Geração – Direito à Vida.
A Quarta Geração dos Direitos Humanos tem
como contexto histórico as últimas décadas do século XX e o limiar do século
XXI.
O
novo século traz em si uma contradição muito grande no que diz respeito à
preservação da vida humana. Por um lado, assistimos a um avanço extraordinário
das pesquisas que envolvem a vida e a sua reprodução de maneira artificial,
tais como: inseminação artificial, bebês de proveta, clonagem, células troncos
e tudo mais que a engenharia genética pode e poderá fazer um dia. Por outro
lado, também assistimos o total desrespeito com a natureza, aquela que
efetivamente propicia que a vida humana continue existindo: aquecimento global,
poluição, assoreamento de rios, desmatamento, secas e enchentes, extinção de
espécies animais e de plantas etc.
O que
caracteriza estas questões também é o fato de tratarem de direitos que não
possuem um sujeito específico. Afinal, quem deve reivindicar esses direitos? O
indivíduo? Uma determinada sociedade? Os povos e nações? Ora, ao contrário dos
direitos das gerações anteriores, estamos agora diante de direitos que não
possuem um sujeito que irá reivindicar em seu próprio nome esta luta, pois bem
sabemos que seria um absurdo imaginar embriões congelados realizando uma
reivindicação para não serem jogados fora ou mesmo imaginar que a natureza – os
animais e plantas – realizando uma passeata contra a poluição. Neste sentido,
esses direitos são difusos, isto é, não possuem um sujeito de direito específico
que reivindicará por si mesmo tal luta.
Neste sentido, as
problemáticas mais amplas que envolvem a vida – as questões de engenharia
genética e do meio ambiente – tornaram-se uma categoria específica na luta dos
direitos humanos, o que denominaremos aqui de NOVOS DIREITOS. E talvez a ausência de um sujeito de direito seja o
grande desafio da Quarta Geração dos
Direitos Humanos, pois ela demanda conscientizar e despertar todos e todas
para a importância de tais questões e para as injustiças que são cometidas
contra a vida que não pode, por ela mesma, dizer o que está sofrendo.
Para finalizar é preciso afirmar
que esta categorização dos direitos humanos em gerações é uma classificação
possível sobre o desenvolvimento histórico dos direitos humanos, mas não é a
única. Dividir os direitos humanos em diferentes gerações é simplesmente uma
tentativa de entendê-los ao longo da história, sem pretender afirmar que esta é
a melhor maneira de cumprir tal tarefa. As gerações dos direitos humanos,
enquanto categorias de entendimento do processo histórico, não são puras e nem
exclusivas, o que aliás é a limitação principal de qualquer tentativa de
classificação.
0 comentários:
Postar um comentário