A instituição de cotas raciais no ensino superior do país mascara uma
injustiça (contra os brancos pobres) e uma implícita confissão de inapetência
do poder público com suas obrigações relativas à Educação. A enorme faixa da
população brasileira formada pelas classes de menor poder aquisitivo é vítima
do tratamento diferenciado propugnado pelos apóstolos do racialismo como
critério para o acesso dos negros a universidades públicas.
Sem o salvo-conduto da cor da pele, os brancos pobres, além de
enfrentarem a mesma discriminação que está na origem do postulado racialista,
continuarão a lidar com a tradicional dificuldade de se preparar para entrar
numa faculdade. É o preço que eles pagam por não disporem de um sistema de
ensino que, ao longo de sua formação intelectual, os dotem do necessário
embasamento para enfrentar o desafio da disputa por uma vaga contra candidatos
mais bem preparados.
Outra verdade oculta pelo generoso manto do acesso à universidade
abalizado pela pigmentação é o secular desleixo do poder público brasileiro com
a qualidade da Educação em geral, e do ensino básico em particular. A falta
de ações — ou, quando muito, iniciativas tímidas — voltadas para a
implementação de um sistema que garanta democraticamente a todos o acesso ao
saber pode ser tomada, em última instância, como uma opção pela prevaricação.
Não é outro o crime em que incorre o governo ao deixar de cumprir
obrigações que lhe são preceituadas pela Constituição. Ter assegurado o alcance
ao ensino é direito elementar de todos os cidadãos. Cabe ao poder público criar
políticas que garantam tal prerrogativa.
Para além destas questões que estão no cerne da cota racial há, ainda,
problemas básicos ditados pela dificuldade prática de estabelecer a cor da pele
como critério para o acesso ao ensino superior. Emblemático, por exemplo, foi o
episódio que pôs em xeque o sistema de cotas na Universidade de Brasília: no
vestibular de 2007, uma comissão — criada para julgar a negritude dos
autodeclarados candidatos a uma vaga pelo princípio racialista — atestou por
fotos que era negro um aluno chamado Alan, mas não aprovou o suposto direito à
cota de outro postulante, chamado Alex. Ocorre que Alan e Alex são irmãos
gêmeos idênticos. Distorções dessa ordem hão de ocorrer em outras
universidades, mas, apesar de desmoralizarem o critério racialista, não têm
sido argumentos suficientes contra as cotas raciais.
Ao adotar o princípio racialista, a UnB criou essa espécie de tribunal
racial, por cujo crivo passam as autodeclarações de “raça” dos vestibulandos.
Cabe a tal “corte” carimbar atestados de negritude. Não por acaso o
sistema lá implantado é alvo de uma arguição de inconstitucionalidade no
Supremo Tribunal Federal, que realizou audiências públicas para embasar a
decisão da Corte.
A pílula das ações afirmativas costuma ser dourada com o argumento de
que se tratam de medidas temporárias, implementadas para reparar, de imediato,
contenciosos sociais — entre os quais a discriminação racial.
Ocorre que tais políticas conjunturais acabam se perpetuando e, em vez
de reduzir fossos, tornam-se instrumento de manutenção de distorções. Longe de
superar maus indicadores, subordinar a reparação de déficits educacionais à cor
da pele apenas segrega e esconde leniências do poder público com suas
obrigações.
Editorial, O Globo,
05/04/2010
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