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28 de nov. de 2012

A formação em serviço de professores através de oficinas pedagógicas


                                                                                                                                 Zélia Mediano[1][2]

I.                    Introdução
A educação continuada dos professores tem sido, nestes últimos tempos, uma preocupação, seja por parte do poder público, seja entre as universidades e centros de pesquisa. A ela se dão variados nomes: formação-em-serviço, educação permanente, e outros mais. Procura-se com ela melhorar a qualidade da escola e do ensino pelo qual passa a maioria de nossas crianças. Também variados são os modelos utilizados, e recentemente, o governo federal tem investido no que chama de “educação à distância”.
        Neste capítulo, apresentaremos uma experiência inserida em um dos subprojetos do “Centro Novamérica de Educação Popular”[3], em Sapucaia, pequena cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro e que faz parte da ONG “Projeto Novamérica”, com sede no Rio de Janeiro. Este subprojeto tem como meta a diminuição do fracasso escolar, através de atividades formativas para professores e orientadores pedagógicos em serviço e para normalistas que se preparam para a atividade docente.
        Neste trabalho serão colocadas as diferentes maneiras pelas quais temos vivenciado a formação dos professores em serviço, para no final fazer algumas inferências a partir da colocação em prática daquilo que preconizávamos em 1992 (Mediano, 1992).

2.  A formação dentro da escola
                Nos últimos anos tem sido bastante enfatizado que a escola é o “locus” ideal para a formação do professor em serviço (Mediano, 1992; Kramer 1991, 1995; Mendonça, 1991). Baseada nessa constatação, fizemos a experiência de acompanhar uma escola pública municipal de 1ª a 4ª séries do 1º grau, através de encontros mensais de quatro horas de trabalho. Iniciamos a experiência perguntando aos professores o que gostariam de tratar e disseram que precisavam de estudar alfabetização e avaliação. Vimos o que gostariam de discutir em cada um desses temas e logo percebemos que implicitamente queriam transformar a sua prática pedagógica. Por trás desses dois títulos, escondia-se uma serie de insatisfações com o trabalho que vinham realizando.
                Nossos encontros tiveram as seguintes características: em primeiro lugar, assumimos a postura de que os professores já possuíam um saber. Apesar de bastante jovens, tinham o curso de formação de 2º grau e, pelo menos, três anos de experiência. Sempre elaborávamos a partir de suas vivências e do que sabiam, respeitando-os como profissionais. Sua prática era invocada constantemente.
                Isso permitiu que se desse a tão almejada relação teoria-prática, numa visão de unidade, como preconizam Candau e Lelis (1990, p.55), onde “é indispensável que a teoria tenha nascido de uma prática real naqueles a quem se dirige, que seja tomada a consciência da prática ou , pelo menos, dos sentimentos que os animam e que eles gostariam de ver encarnados na prática”. Nestes anos, lidando cotidianamente com os professores, aprendemos que a teoria só faz sentido para eles , se tiver origem na prática. Dessa forma se consegue que os professores façam reflexões sérias e criem também suas próprias teorias.
                Outro ponto importante no acompanhamento a essa escola, foi a opção pelo trabalho coletivo. Muito pouco era trabalhado individualmente. O grupo todo se compunha de 15 professores, mas era continuamente dividido em pequenos grupos de três, que a seguir voltavam a se reunir como um todo. Como afirma Kramer (1995), eles vão aprendendo uns com os outros e construindo um conhecimento de que careciam. Isto exige algumas condições:
·         Adotar procedimentos participativos e de diálogo, em que o professor seja ouvido, quer pelos colegas, que pelo animador do encontro. No dia-a-dia da escola não costuma haver essa oportunidade de confronto de práticas e idéias e isso é muito importante para o crescimento profissional.
·         Criar também um clima de confiança entre todos os participantes, para que se exponham, coloquem suas idéias e deixem emergir os conflitos. Nesta nossa experiência, conseguimos que emergissem os conflitos latentes e acerca dos quais nunca se tinha falado. E daí foi fácil analisar a causa dos conflitos, sugerindo-se ações para minimizá-los ou mesmo eliminá-los.
·         Com esses procedimentos participativos e com esse clima de confiança é importante adotar uma pedagogia da pergunta, como preconiza Freire (1985). Uma pergunta adequada, no momento certo, faz refletir e avançar no conhecimento.
·         Esta abordagem coletiva favorece a construção da autonomia do professor e a sua capacidade de análise crítica. Nossas escolas são ainda muito heterônomas, esperando que “as ordens venham da Secretaria”. É pois muito importante fazer com que o professor individualmente e como coletivo seja capaz de se colocar perguntas do tipo: Por que se faz assim? A quem estou beneficiando se fizer desta forma? E ter coragem de fazer aquilo que parece melhor naquela circunstância. Evidentemente que isso cria alguns problemas para o sistema estabelecido que costuma ser autocrático e autoritário. Mesmo os que pregam a democracia e a autonomia esperam que “suas ordens sejam cumpridas”.
Isto tudo faz com que todo esse trabalho leve muito em consideração a realidade em que a escola está inserida, o que esteve muito presente nas nossas discussões mensais. Esta escola está situada na periferia da cidade, que apresenta características muito definidas e sempre discutíamos esse contexto e as exigências que trazia para o trabalho docente. Problematizávamos essa realidade, discutindo-a, de modo a explicitar a relação que existe entre as práticas escolares e as questões mais amplas da sociedade.
Esta experiência de acompanhar uma escola, trabalhando com a totalidade de seu corpo docente, nos permitiu chegar a algumas conclusões:
·      a escola é, sem dúvida, o local por excelência para trabalhar a formação dos professores em serviço, pois todos passam pelo mesmo processo, discutem as mesmas questões e se capacitam coletivamente para as transformações necessárias. Em outras palavras, cria-se um clima adequado a novas práticas pedagógicas, ainda que a adesão a essas transformações não seja unânime;
·      um processo destes só pode acontecer se a escola tiver uma direção comprometida com a transformação e disposta a acompanhar os professores nessa caminhada. Neste caso, a diretora era essa pessoa que busca uma melhor escola, anima os professores nessa direção e, sobretudo, valoriza o trabalho do professor. Em escolas maiores isto é levado a cabo pela equipe técnico pedagógica, onde o supervisor ou orientador pedagógico tem um papel importante;
·      um trabalho desta natureza leva, quase que obrigatoriamente, a repensar a proposta pedagógica da escola, que foi o que aconteceu: a escola está mudada, a postura dos professores frente aos alunos é outra;
·      conseqüentemente, a escola cresce em credibilidade junto à comunidade. Grande número de crianças dessa periferia se dirigia a uma escola do Centro da cidade, fazendo longa caminhada, pois, como diziam, “Lá ensina melhor”. Agora, as crianças estão voltando, pois “esta escola agora está ensinando bem”.
3. Cursos para formação do professor em serviço
                Nem todas as escolas têm condições de desenvolverem um trabalho como o que colocamos acima, seja porque a direção não tem esta postura, seja porque não existe pessoal preparado para acompanhar um tal processo. Mas existem muitos professores que buscam um instrumental que os ajude na sua prática cotidiana, ainda que sua escola não esteja engajada num processo de transformação. Para atender a esta clientela, oferecemos cursos, usando preferencialmente a metodologia das oficinas. São, entretanto, cursos que não têm nada a ver com os já famosos e rejeitados “pacotes das Secretarias”.
                Como ministramos esses cursos?
                Primeiramente, eles emergem das necessidades reais do professorado local. Nosso trabalho em Sapucaia iniciou-se com três “grupos de reflexão pedagógica”, um em cada distrito, que visavam discutir a educação que estava sendo dada nas escolas, na busca de caminhos alternativos. Nessas reuniões logo surgiu a necessidade de uma formação pedagógica mais consistente. Nas reflexões preliminares emergia que o principal problema no cotidiano da escola era a alfabetização, pois esta era mal feita e os alunos, ao longo de sua trajetória escolar, apresentavam grande dificuldade de leitura. Assim, surgiu o primeiro curso que ministramos, desde nossa ONG. E a partir daí, ao final de cada curso, fazemos uma sondagem sobre as necessidades que deverão ser atendidas no momento seguinte. Portanto, não levamos “pacotes pré-fabricados”, mas vamos caminhando de acordo com as necessidades.
                Nossos cursos têm procurado atender a alguns princípios:
·         Não se limitam a tratar o tema central isoladamente, mas o situam num marco mais amplo da educação, da realidade local e da sociedade mais ampla.
·         Estão também inseridos dentro de uma proposta pedagógica, comprometida com a transformação da sociedade, em favor dos empobrecidos, maioria no município.
·         Vêem o professor como um sujeito portador de um saber que quer aperfeiçoar, a partir de sua prática. Como um sujeito pensante e crítico, se lhe for dada a oportunidade de pensar e refletir.
·         Partem da prática e estabelecem uma relação de unidade com a teoria. Neste âmbito utilizamos a abordagem de Betancourt (1991), quando diz:
O fato de que a prática constitui um ponto de partida significa que a teorização vai vincular-se, vai “amarrar-se” a uma problemática concreta, evitando a dispersão em temas alheios à realidade. Por isso, a teorização não é um fato intelectual, desligado da prática, mas sim um processo ordenado de abstração, uma visão mais profunda da realidade , um novo olhar crítico e criador para a prática: é desenvolver a capacidade de pensar com nossa própria cabeça. É pensar o “Por quê?” e o “Para quê?” das coisas, mas sempre ligado à prática e à realidade (p.50-51).
·         Utilizam metodologias participativas, dialogantes, que usam o trabalho coletivo como principal fonte de construção do conhecimento, desenvolvendo em sua realização as metodologias que pretendem que os professores usem com seus alunos. Isto tem sido muito importante e fonte de muito crescimento. Como diz Kramer (1991), entendemos que “os mecanismos de formação de professores em serviço devem ser percebidos como prática social inevitavelmente coerente com a prática que se pretende implantar na sala de aula entre professores e alunos” (p.190). Chegamos mesmo a submeter os professores aos mesmos exercícios e jogos e aos mesmos procedimentos que recomendamos que usem com seus alunos. No início, tivemos dúvidas se este seria um recurso adequado, e a prática nos mostrou que é não só adequado, mas muito bem aceito pelos professores. A partir daí, fazemos a teorização, como colocamos anteriormente.
·         Trabalham integradamente forma e conteúdo. Não adianta trabalhar metodologias, se o professor não tem os conteúdos básicos de Português, Matemática, Ciências Sociais e Naturais. Todos sabemos o quão frágil estão os nossos cursos de formação inicial! Assim é que temos estudado seriamente os conteúdos de Língua Portuguesa e Matemática. E os professores, percebendo que estes conteúdos estão ligados à sua prática, aceitam tranquilamente investir neste caminho.
·         Criam um clima de confiança entre os participantes, que os leva a terem coragem de se expor e não ter medo de errar, pois vivemos, na prática, o princípio de que todo erro é construtivo.
·         Desenvolvem a autonomia e a criatividade entre os participantes, mas com o cuidado de conjugá-las com a solidariedade entre eles, pois uma pessoa autônoma, mas individualista, pode tornar-se muito prejudicial ao grupo.
·         Utilizam diferentes linguagens. Certamente que usamos textos e a linguagem oral, mas também levamos a música, o desenho, a dramatização, a simulação, as histórias, recorte e colagem. Também aqui acreditamos que pouco adianta dizer ao professor que deve usar variadas linguagens, se ele não passar por essa experiência.
·         Estimulam o diálogo da escola com a comunidade, pois acreditamos que deve haver um entrosamento entre os diferentes agentes educativos que operam junto à criança. Este é um dos pontos mais difíceis de serem trabalhados, porque ainda há muito preconceito da escola em relação à família e à comunidade: parecem mais antagônicos do que parceiros numa atividade comum.
·         Promovem uma avaliação contínua, através da qual reformulamos nossos procedimentos e os adequamos às necessidades do grupo. Também utilizamos sempre uma avaliação final, que serve de base para os cursos seguintes. Nessa avaliação, os professores costumam valorizar muito os conteúdos, a metodologia, a troca de experiências e o conhecimento de novas pessoas. Este último aspecto é interessante e mostra como, em geral, o professor é um sujeito solitário, sem interlocutores com quem trocar as dificuldades e as angústias e , por que não, os sucessos e alegrias.
Este trabalho com os cursos vai-se ampliando e aperfeiçoando também através da prática. Há uma grande diferença no modo de desenvolvermos os cursos agora e como o fazíamos há cinco anos. Nossa ação, como a dos professores vai-se transformando a partir de nossa própria prática, refletida, analisada e pensada. Tanto no nosso trabalho, como no dos professores, usamos a ação-reflexão-ação, na qual uma prática é analisada, refletida, pensada e gera uma novaprática.

4. A formação de orientadores pedagógicos
        Este trabalho se constitui numa parceria com a Secretaria Municipal de Educaçaõ a partir da solicitação do atual prefeito, no início de sua gestão em 1993.
        O município não contava com este tipo de profissional e julgava por bem introduzi-lo nas escolas. Aceitamos o desafio de desencadear um processo para sua formação, dentro da concepção que defendemos de supervisor ou orientador pedagógico. A partir da pesquisa em duas escolas, dizíamos (Mediano, 1992):
Nessas duas escolas, o trabalho de supervisão ultrapassava os aspectos burocráticos de exigência de planos de aula, de objetivos e avaliações e de listas de freqüência e notas. Supervisores e orientadores pedagógicos, juntamente com os professores, discutiam a prática pedagógica, situada no contexto mais amplo das relações sociais em que os alunos e professores estavam imerso, e buscavam soluções. Esse trabalho partia de dois princípios: 1) converter as próprias experiências em situações de aprendizagem e 2) fazer uma reflexão crítica da própria prática pedagógica (p.32).
                Neste processo de formação também levamos em conta o que diz Kramer (1989). Dos eixos que a autora apresenta para o trabalho do pedagogo na escola, destacamos:
F organizar a “formação em serviço” em torno de temas ou problemas detectados como relevantes ou diretamente sugeridos pelos professores (…)
F favorecer o acesso dos professores aos conhecimentos científicos em jogo nos diferentes temas, ultrapassando o senso comum: (a) teorias que analisam o processo educativo de forma ampla (sociologia, antropologia, história, filosofia); (b) estudos relacionados ao processo de construção do conhecimento (psicologia do desenvolvimento); (c) conhecimentos que tratam diretamente do tema em questão (…) (p.203).
                Entendemos que o supervisor na escola deve ser aquela pessoa que caminha com os professores, coordenado a reflexão conjunta, apoiando e dando estímulo na busca de novas alternativas para os problemas da prática. A partir deste “pano de fundo” desencadeamos o processo de formação, que se tem desenvolvido através de reuniões semanais de quatro horas, nas quais, além do trabalho anteriormente descrito para os curso para professores, aprofundávamos a reflexão teórica e a troca das experiências vividas no campo.
                Logo de início, tivemos uma dificuldade: os recém-investidos orientadores, ainda acostumados com “soluções prontas” pressionados pelos professores que também as buscavam, tendiam a transformar nossos encontros em “sessões de terapia pedagógica”, onde eles trariam os problemas de suas escolas e imediatamente receberiam a resposta a ser levada aos colegas. Passamos, então, por um longo processo de discutir o papel do orientador pedagógico, o qual não é dar uma solução pronta, mas construir a solução junto com os professores, no próprio espaço da escola. Isto pouco a pouco foi sendo vivido pelos próprios participantes, na medida em que nunca apresentávamos soluções prontas para nossas questões, mas as íamos construindo coletivamente, com os aportes de todos.
Este trabalho de formação dos orientadores pedagógicos apresentou alguns desafios, os quais o distingue dos curso para professores, ao mesmo tempo em que apresenta alguns pontos em comum.
Primeiramente, uma certa dificuldade em lidar com os textos teóricos que comumente se pretende que um estudante de Pedagogia maneje. A grande maioria desses professores era licenciada em Pedagogia, havendo alguns oriundos da área de Letras e mesmo assim apresentavam essa dificuldade. Isto mostra como são precários os cursos oferecidos pelas faculdades do interior. Essa dificuldade foi sendo vencida aos poucos, com sessões de discussão de textos, orientadas por uma pauta de leitura, que sempre exigia relação com o que estavam vivendo nas escolas. Com o tempo, chegamos a que cada participante fosse capaz de orientar a dinâmica de apresentação de um capítulo do livro que estava sendo estudado, procurando relacionar prática e teoria.
Um segundo desafio dizia respeito justamente a esta relação teoria-prática. Com estas orientadoras pedagógicas , fazemos um estudo mais sistemático da teoria e muitas vezes lhes é difícil estabelecer essas relações, perceber que aquilo que acontece na sala de aula tem muito a ver com as questões sociais e culturais.
Os textos para estudo, geralmente livros, eram selecionados a partir dos temas que o grupo solicitava, que foram basicamente a alfabetização e o ensino da matemática numa abordagem construtivista. Além do estudo com os temas específicos, também abordávamos os fundamentos necessários à apropriação dos referidos assuntos. Na discussão dos textos, buscávamos sempre o estabelecimento dessas relações com aquilo que os participantes estavam vivenciando em suas próprias escolas e naquelas pelas quais eram também responsáveis[4]. Nessas discussões havia uma certa dificuldade de sair do casuísmo da sua escola e generalizar para um contexto mais amplo, em que fatores sociais, políticos e culturais estão interaturando. Pouco a pouco, vamos ultrapassando essa dificuldade e sendo capazes de situar as problemáticas educacionais nesse contexto mais amplo em que a escola está mergulhada.
Existiram ainda as “dificuldades burocráticas”. As autoridades educacionais e as diretoras desejam o serviço de orientação pedagógica nas escolas, mas, na primeira dificuldade, é este profissional que tem que abandonar suas tarefas para atender às necessidades emergentes. E assumem turmas que ficam sem professores, preparam as “festinhas” da escola em que estão lotadas, etc., e pouco tempo lhe resta para suas atividades específicas, inclusive para o estudo sério.
Em um último desafio que temos percebido é a insegurança que ainda domina alguns desses profissionais. Nossa meta última nesse trabalho de formação dos orientadores pedagógicos é que venham a assumir a formação dos professores em serviço dentro da escola como apresentamos na parte 2 deste trabalho. Para os professores isolados da zona rural, pretendemos que o orientador forme uma equipe com aqueles que estão sob sua coordenação, com o fim de criar uma instância de troca e de trabalho coletivo. E isto está sendo um pouco lento. Alguns dos profissionais, que estão no processo desde o início (março de 1993), já começam a desempenhar este papel, mas isto requer muito tempo e a segurança e confiança em si mesmo tarda em acontecer. Mais uma vez afirmamos que as pequenas faculdades do interior dão uma formação muito precária, que é difícil recuperar com 4 horas semanais de encontro.

5. A formação das normalistas em serviço
Entre as nossas atividades formativas, temos sempre um grupo de normalistas, que duas vezes por semana desenvolve as “Oficinas de Aprendizagem” para apoio escolar com as crianças mais pobres da escola pública no Centro da cidade. Semanalmente também temos uma reunião de formação, avaliação e planejamento. Essas horas de trabalho na nossa ONG são computadas como estágio, pela escola de formação de professores a nível de 2º grau.
Neste trabalho, temos como meta oferecer às crianças um trabalho diferente daquele pelo qual passam na escola, onde são abandonadas a sua própria sorte, por serem “fracas” e não acompanharem o ritmo das outras. Praticamente, a única coisa que fazem é “copiar”. Para tal vamos, semana a semana, tentando formas as normalistas para um trabalho mais criativo, que valorize o potencial humano das crianças, que as faça pensar, que parta do ponto em que elas estão em vez de dizer: “eles não sabem nada!” Ao mesmo tempo temos o desafio de despertar o gosto dessas crianças para as atividades que lhes estamos proporcionando.
Esta meta se tem constituído num grande desafio, pois também em sua escola de formação predomina a repetição, a memorização e a cópia, assim como a confecção de “cartazes artísticos com purpurina”, etc. Este é o modelo que têm. Não possuem o hábito de pensar, tendo uma chegado a nos dizer: “Graças a Deus que lá na escola não usam esse tal de Construtivismo! Cansa muito a cabeça da gente. ”
Do mesmo modo que fazemos com as professoras, temos procurado desenvolver com elas uma metodologia coerente com o que esperamos que elas façam com as crianças e, com bastante esforço, vamos conseguindo alguma coisa. É verdade que a avaliação dos professores da escola normal é muito positiva. Dizem que as normalistas que participam das “Oficinas de Aprendizagem” têm um grande crescimento profissional e se destacam das outras que não o fazem. Contudo, ainda não conseguimos atingir satisfatoriamente as crianças com quem estamos trabalhando,as quais “não trocam soltar sua pipa na rua pela oficina de aprendizagem.”
                Esta pequena experiência de formação com as normalistas nos dá algumas pistas para a formação inicial do professor de 1ª a 4 ª séries. Primeiramente, é necessário incorporar ao currículo de formação os conhecimentos mais recentes das Ciências Sociais e das Ciências da Educação. A formação, no limiar do ano 2000, continua absolutamente idêntica à dos anos 50 ou 60. Em segundo lugar, os estágios têm que ser pensados de forma diferente. Pouca valia tem observar, por longos períodos de tempo, uma turma de escola, que é uma contra-indicação do que se deve fazer, e dar uma ou duas aulas ao longo do ano, em que as normalistas são avaliadas pelos cartazes e materiais que apresentam e pelos “presentinhos” que deixam para os alunos.
                A futura professora, ainda na fase de sua formação, precisa ser “colocada em serviço”, enfrentar o desafio da rotina do dia; sentir que “isto não deu certo, então vou tentar aquilo” e ter uma experiência com continuidade. Só assim poderemos ter professores melhor preparados para as tarefas que nos cumpre realizar de construção de uma cidadania ativa e consciente.

6. A metodologia das oficinas

                Nesse trabalho amplo que temos desenvolvido a partir do Projeto Novamérica temos utilizado quase sempre a metodologia das oficinas. Em que consiste essa metodologia? Em trabalho anterior (Mediano, 1992), já a apresentamos sucintamente como uma alternativa e agora, depois de tê-la experimentado durante esses cinco anos, voltamos a ela.
                Na linguagem usual, a oficina é o lugar onde se faz, se constrói ou se conserta alguma coisa. Desse modo, falamos de oficina mecânica, oficina de carpintaria, oficina de conserto de eletrodomésticos. Betancourt (1991), citando Reys, diz:
Concebemos a oficina como uma realidade integradora, complexa, reflexiva, em que a teoria e a prática se unem como uma força-motriz do processo pedagógico, orientado para uma comunicação constante com a realidade social e com uma equipe de trabalho altamente dialógica, formada por docentes e estudantes, na qual cada um é um membro a mais da equipe e traz seus aportes específicos (p.21).
Citando Gonzalez, Betancourt (1991) diz ainda:
Gosto de explicar a oficina como lugar de “manufatura” e “mentefatura”. Na oficina, através do interjogo dos participantes com a tarefa, confluem pensamento, sentimento e ação. A oficina, em síntese, pode converter-se no lugar do vínculo, da participação, da comunicação e, por fim, lugar de produção social de objetos, fatos e conhecimentos. (p.23).
                As oficinas se contrapõem à educação tradicional que encara o ser humano como ser nacional, mas desligado de seu contexto e de seu momento histórico e social, que considera a memória como o mais importante veículo na aprendizagem, considera a cultura como algo estático, usa um estilo autocrático e centrado no docente, dá muito valor à repetição e vê a avaliação como uma simples comprovação dos conhecimentos adquiridos pela memória.
                As oficinas consideram a pessoa humana como um organismo inteligente, em plena e permanente interação com o meio natural e social. Sua inteligência se desenvolve na prática dentro desse meio e é um instrumento na resolução de problemas, integrando a reflexão com a ação. Mais do que no ensino, a atenção se concentra na aprendizagem do aluno, que se converte no centro do processo de ensino-aprendizagem.
                Segundo Aylwin e Gissi (1987), a oficina é uma realidade complexa, que, embora privilegie o trabalho de campo, deve integrar num único esforço três instâncias básicas:
·         um trabalho de campo
·         um processo pedagógico
·         uma relação teórico-prática.
O trabalho de campo implica numa resposta profissional às necessidades e demandas que surgem da realidade na qual se está trabalhando ou se vai trabalhar. O processo pedagógico se centra no desenvolvimento do aluno e se dá como resultado da vivência que este tem de sua ação no campo, fazendo parte de uma equipe de trabalho e da implementação teórica desta ação. Finalmente, a relação teoria-prática é a  dimensão da oficina que tenta superar a antiga separação entre teoria e prática e assim aproximar o campo da tecnologia ao da ação fudamentada. Esta instância requer reflexão, análise da ação, teorização e sistematização.
Sintetizando, podemos dizer com Betancourt (1991) que as oficinas se contrapõem às formas tradicionais de educação porque:
1.    Promovem a construção do conhecimento a partir do próprio aluno (no nosso caso, do professor em formação) e do contato deste com sua experiência e com a realidade objetiva na qual se desenvolve. Dentro dessa realidade objetiva se encontra o fator social, ou seja, o grupo e o próprio docente com os quais o aluno interatua.
2.    Realizam uma integração teórico-prática no processo de aprendizagem.
3.    Permitem que a pessoa viva a aprendizagem como um ser total e não apenas estimulando o cognitivo, pois, além do seu conhecimento, aporta experiências de vida que exigem relação do intelectual com o emocional e com a ação, implicando assim numa formação integral do participante.
4.    Promovem uma inteligência social e uma criatividade coletiva.
5.    O conhecimento que se constrói nas oficinas é determinado por um processo ação-reflexão-ação, o qual permite uma validação coletiva, indo do concreto ao conceitual e novamente do conceitual ao concreto, não de uma forma reprodutiva, mas criativa, crítica e mesmo transformadora.
6.    Definem o critério de verdade do conhecimento pela produção ativa e coletiva e não pela autoridade dos textos ou dos docentes ou de outras fontes secundárias.
Desse modo, temos trabalhado nesses cinco anos, com resultados bastante positivos. Os professores têm-se envolvido muito e mostram grande satisfação por verem que sua experiência é valorizada, discutida, analisada e faz parte do processo. Que , sem ela, o encontro seria diferente e careceria de vida. Temos observado, seja por seus relatos, seja por testemunhos de diretoras ou colegas, que muitos desses professores têm, na realidade, transformado suas práticas.
Nossas oficinas geralmente começam, quando o grupo não se conhece entre si, com alguma dinâmica de apresentação e relaxamento, a fim de criarmos um clima propicio à troca. Após , são estabelecidos os objetivos da oficina.
Em seguida, em pequenos grupos e geralmente orientada por algumas perguntas, os participantes colocam suas experiências e os conhecimentos que possuem sobre o tema em discussão. Nesta etapa já começa o processo de construção do conhecimento. Cada um expõe sua experiência e ouve a dos companheiros, o que já aprofunda o que trazia. Cada grupo relata o trabalho que realizou e, dependendo da forma como foi relatado, fica exposto para que todos tenham acesso a esse cabedal de experiências e conhecimentos. Geralmente se usam os papelógrafos para tal, podendo também usar-se outras formas, como sejam a simulação, a dramatização ou o desenho.
Após essa atividade é o momento do diálogo com a teoria já existente sobre o assunto, o que pode dar-se pela leitura de um texto, exibição de um vídeo ou “slides”, ou mesmo uma exposição do coordenador da oficina. Este tem que ter a habilidade de aproveitar tudo o que os grupos trouxeram e introduzir o novo que irá fazer avançar no conhecimento. Este é um momento muito importante, pois frequentemente é aqui que se ultrapassa o conhecimento do senso comum para alcançar o conhecimento científico. É também o momento da sistematização do conhecimento. É importante que os participantes saiam da oficina com o novo conhecimento sistematizado e capacitados para uma nova ação transformadora em relação à anterior.
Na nossa experiência, temos encontrado que nossa música popular é muito rica e suas letras se constituem em sérios textos para reflexão. Como somos um povo muito musical e festivo, as músicas têm-se mostrado um ótimo recurso para fazer refletir e deflagrar a teorização das práticas colocadas.
A oficina não pode ser apenas um espaço em que se conversa, se conhecem novas pessoas e se vai para casa satisfeito. A oficina pressupõe que o participante saia dela capacitado para uma ação mais coerente e conseqüente, com o seu compromisso de transformação da realidade em que atua.

BIBLIOGRAFIA
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BETANCOURT, Arnobio Maya. El taller educativo. Santafé de Bogotá, Colômbia: Editorial Gente Nueva, 1991.
CANDAU, Vera Maria e LELIS, Isabel Alice. A relação teoria-prática na formação do educador. In: CANDAU, Vera Maria (org.). Rumo a uma nova Didática. Petrópolis, RJ:Vozes, 3ª edição, 1990, 49-63.
FREIRE, Paulo e FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunte. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 1985.
KRAMER, Sônia.Melhoria da qualidade do ensino: o desafio da formação de professores. Brasília, DF. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Nº 165,1989,189-207.
KRAMER, Sônia. Dando vez ao mestre (entrevista). Presença Pedagógica. Editora Dimensão. Belo Horizonte, MG. Nº4, 1995, 5-21.
LÜDKE, Menga. O educador: um profissional? In: CANDAU, Vera Maria (org.). Rumo a uma nova Didática. Petrópolis, RJ: Vozes, 3ª edição, 1990, 64-73.
MEDIANO, Zélia D. A formação em serviço do professor a partir da pesquisa e da prática pedagógica. Rio de Janeiro, RJ. Tecnologia Educacional. Nº 105/106, 1992, 31-36.
MEDIANO, Zélia D. O Centro Novamérica de Educação Popular: uma alternativa de educação na cidade do interior. Rio de Janeiro, RJ. Tecnologia Educacional. Nº 125, 1995, 15-22.
MENDONÇA, Ana Waleska P.C. A escola como espaço de formação continuada do professor. Brasília, DF. Revista de Educação da AEC. Nº 79, 1991, 39-42.


[1] In: CANDAU, V.M. (org.) Magistério: construção cotidiana, Petrópolis: Vozes, 1997, pág. 91-99.
[2] Trabalho apresentado no VIII ENDIPE (Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino). Florianópolis, maio de 1996.
[3] Para conhecer o trabalho do Centro Novamérica, veja-se Mediano (1995).
[4] Cada orientadora pedagógica está lotada numa escola seriada, geralmente com 6 a 10 turmas, onde exerce sua função e acompanha também 3 ou 4 escolas unidocentes, multisseriadas, localizadas na zona rural.