Marcelo Andrade
Uma das características
das sociedades contemporâneas é a possibilidade de contato entre diferentes
grupos e culturas. Neste sentido, são muitos os modos de compreender e
interpretar o certo e o errado, isto é, os códigos morais. É importante notar
que estes códigos morais podem estar presentes em um mesmo grupo social ou em
diferentes grupos que se relacionam entre si. É nesse contexto que surge o
embate entre o que denominamos universalismo
ético, ou seja, a defesa da existência de alguns valores que deveriam ser
aceitos como referência para todos os códigos morais, e o relativismo ético, que defende que cada cultura possui seus valores
particulares, os quais devem ser reconhecidos como válidos e tomados como
referência para orientar o agir de seus membros.
O
politeísmo moral
Para a filósofa
espanhola Adela Cortina, o politeísmo moral, teria como característica a crença
de que “as questões de valores morais são ‘muito subjetivas’”, ou seja, “cada pessoa elege uma
hierarquia de valores ou outra, porém a elege por uma espécie de fé”. Neste
sentido, numa situação de diálogo ou de confronto de perspectivas, não é
possível convencer os outros de que os valores eleitos como referência para as
ações são melhores ou piores, porque não existem argumentos para questões de
fé. Tratar-se-ia, apenas, de uma escolha involuntária. Segundo o politeísmo
moral, cada um adota seus valores, e aceita sua validade apesar da
impossibilidade de se “dar razões que possam nos levar a encontrar um acordo
argumentado, a um acordo intersubjetivo”[1].
Talvez, no contexto
brasileiro, é possível que alguém, equivocadamente, deseje tal situação, tendo
em vista a vontade de recusar definitivamente o monismo moral experimentado
como uma imposição durante recente período de nossa história. O politeísmo
moral pode, inclusive, parecer mais moderno, liberal ou tolerante. No entanto,
ele é inadequado, pois coloca a moralidade num âmbito incomunicável, sem
argumentos racionais que o justifiquem, ou seja, numa situação na qual não se
pode dar razões suficientes, na qual não se pode argumentar crítica e
reflexivamente em diálogo com outras tradições ou códigos morais.
É importante, desde já,
defender que tolerar não significa aceitar tudo, como se tolerância fosse
aceitar passivamente as situações ou opiniões mais absurdas. Veremos na próxima
aula, que há situações intoleráveis, como há códigos morais intoleráveis. O que
nos parece evidente é que os códigos morais intoleráveis, mais do que os outros,
desejam uma situação de politeísmo moral, para deixar para trás um diálogo que
revele suas contradições internas, sua falta de argumentos racionais sólidos,
sua incapacidade de dar fundamentos, de elaborar razões suficientes para uma
legítima hierarquia de valores.
Tomemos como exemplo a
crescente onda neonazista em nas grandes cidades do Brasil, tal como São Paulo,
Rio de Janeiro, entre outras. Não se pode aceitar o argumento de que cada um
tem o direito de seguir o código moral que mais lhe convenha e pronto. Numa
sociedade democrática, um código de conduta a ser apresentado como uma opção
válida para que os cidadãos/ãs possam a ele aderir, deveria apresentar suas
razões suficientes e se estas estão abaixo de uns mínimos morais de justiça[2].
Então, este código moral, no nosso exemplo o neonazismo, deveria ser denunciado
como moralmente inadequado, irracionável, absurdo e, por tudo isso, este código
moral não deve ser tolerado numa sociedade que se queira justa, para além de
ser democrática, plural ou tolerante, tal como defende erroneamente o
politeísmo moral.
O
pluralismo moral
Consideramos a terceira
situação, o pluralismo moral, como a mais adequada, pois ao mesmo tempo em que
busca superar o monismo moral, revela a impossibilidade de um vazio moral e nega
a situação de “Torre de Babel” presente no politeísmo moral. Esta
situação de “Torre de Babel” entre os códigos morais propicia uma grande
disparidade, o que acaba por resultar numa impossibilidade de encontrar um
espaço comum de diálogo entre as diferentes propostas morais. Podemos supor que
o politeísmo moral propiciaria também um espaço de atuação para códigos morais
inaceitáveis – tal como o neonazismo – para uma sociedade que se queira
verdadeiramente justa e democrática.
Por sua vez, o
pluralismo moral é a opção pelo diálogo, pela racionalidade intersubjetiva,
pela crítica saudável que cada grupo pode oferecer aos demais e, do mesmo modo,
receber dos demais grupos as críticas sobre seus posicionamentos mais frágeis.
O pluralismo é o modelo ou situação moral mais compatível com uma reflexão
filosófica sobre a moralidade, pois cada código moral dever apresentar suas
razões suficientes, seus melhores argumentos, para um diálogo em condições
ideais, com o objetivo de alcançar certo nível de consenso.
E a que consenso deve
chegar os códigos morais numa sociedade que seja respeitoso da pluralidade?
Ora, os distintos códigos morais devem abrir um diálogo sobre um mínimo de
coincidência entre eles, sobre um mínimo comum de valores que sejam defendidos
por todos os códigos e que sejam os fundamentos de suas especificidades
enquanto códigos morais válidos para uma determinada sociedade.
Esses mínimos
coincidentes deverão ser os mínimos exigíveis a todos os códigos, ou seja,
abaixo dos quais nenhum código moral pode estar, senão estaria abaixo da
estatura moral que uma sociedade determina como a mínima aceitável. De fato, a
maioria das sociedades pluralistas já sabe quais são seus mínimos coincidentes,
tais como o valor da liberdade, da igualdade de tratamento, da solidariedade,
da tolerância, do diálogo, entre outros.
A tarefa a cumprir, num
pluralismo moral, não é tanto de inventar novos valores, mas trazer à tona
aqueles valores morais já compartilhados, discuti-los publicamente e apresentar
suas razões suficientes, reconsiderando todos os argumentos, favoráveis e
contrários, num diálogo que seja atual, isto é, a partir de nossos
condicionamentos históricos, sociais, culturais, políticos e econômicos.
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